Total de visualizações de página

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A Fábrica

Olhares se acinzentam quando fitam o céu.

O vento bafeja os rostos e adorna a cidade.

Uma criança - indiferente -

Brinca sobre as cinzas paternas.


Adiante, há uma fábrica.

Suas chaminés não param.

O diretor não disciplina o coração de seu filho,

Que se entremeia aos subordinados.


Na antecâmara, ante a câmara,

O diretor sente seu sangue ferver

E suas carnes queimarem.


Claudicante, sai da clausura;

Lá fora, abre os braços,

Inala e sente seu filho pela última vez.


Chora, e as lágrimas borram as cinzas

Que o vento adorna em seu rosto.



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

A Sombra

Ontem, atravessei a rua
E a minha sombra ficou do outro lado.
(Des)assombrado olhei para ela
E ela zombava de mim.
Estava morrendo de rir.
Dava gargalhadas em escárnio
À minha condição humana.
Ria por eu ser humano,
E feliz se sentia por ser apenas uma sombra.

Senti a felicidade sua de ser sombra,
E não ter que me acompanhar.

Virou-se e andou dois passos.
Eu a segui.
Olhou-me de soslaio e tornou a andar rapidamente.
Apressei o passo.

A sombra caiu...
Gargalheando arcadas chaplinianas.

Depois se levantou e disse-me:
Agora és tu a minha sombra!



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

Ruínas

À memória de Augusto dos Anjos.


Eu já nem sei o que há dentro de mim,

Talvez seja uma dor interminável,

Corroendo como um verme miserável,

Um corpo putrescivelmente ruim!


Eu queria arrancar pela garganta

Esse desejo tétrico de amor;

Esfacelar, com mãos de sacripanta,

Essa fábrica fúnebre de dor!


Só quando andamos dentre as nossas ruínas,

É que enxergamos, nas carnificinas,

A vida produzindo cicatrizes!


E, nos perdendo num palor de assomos,

Quando pensamos que felizes somos,

É quando nós mais somos infelizes!



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

sábado, 1 de maio de 2010

Fragrância

O meu amor me lembra as rosas.

Por isso gosto de andar em meio às rosas,

De sentir seu perfume se alastrar pelo meu corpo

Até narcotizar o olfato.

Gosto de tocá-las até perder o tato.

Até eternizar o ato!


O meu amor tinha nos olhos o por do sol.

Tinha na pele a cor do mar

Quando emula a tez do céu na aurora.

Nos lábios, a exata pronúncia do encanto.


Ontem, eu sonhei que meu amor

Se esvaía no vento como o perfume das rosas.

Ao acordar, fui ao jardim,

E meus olhos choveram durante toda a madrugada.

(Abriu-se um regato em minha face!)

De manhã, as rosas róscidas

Exalaram o perfume salino da saudade!



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

Sensação Íntima

Pra onde fugirei com minha dor,

Se o Mundo é uma prostituta torta

Que todo dia bate à minha porta,

A seduzir-me sem nenhum pudor?!


Pra onde irei com a consciência morta,

Se, pra qualquer lugar ao qual eu for,

Minha alma estará cheia de tumor;

De leuquêmico sordes, minha aorta?!


Sei que pra onde eu for, nefasto Mundo,

Por mais que eu vá ao íntimo profundo,

A minha alma jamais terá conforto!


É que, pra onde eu for com meus escombros,

Terei, ainda, no terror de assombros,

A sensação horrenda de estar morto!



Autor: Tiago Oliveira de Sousa. 

Ignorância

Não há verdade na verdade que cultivas.

Encheram tua mente de mentira.


Ora! Se teu prato está vazio,

É porque alguém comeu o alimento

Que deveria estar ocupando o vazio do teu prato.

Alimento com qual preencherias

O vazio que te preenche.


Agora tua mente está vazia de mentira,

Mas teu estômago ainda está cheio de verdade.



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

Sanatório

Estou na corda bamba e falta-me equilíbrio.

Há um padre rezando um samba,

Uma mulher dança o ludíbrio.

Ouço o vento regendo

O ranger de uma cadeira de balanço,

Tão velha quanto o ranço

Desses dias tão modernos.

Através da janela do meu quarto,

Vejo a pele enrugada dos sentimentos humanos

E os sonhos desesperados perambulando pelo jardim.


Por um instante, pensei ter ouvido um pássaro

Solfejando um poema de Bandeira

E, logo após, tossir alguns dias de sua vida bico afora.


Está chovendo agora,

E a chuva desce forte pelos córregos,

Alvitrando-nos que aqui nada se esquece,

Tudo vai embora.


Distancio-me da janela

E a sua superfície externa

Parece chorar a minha dor enclausurada.


Deito-me, mas não consigo dormir.

Quisera poder compartilhar

Do silêncio dos que dormem.



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

A Pedra Filosofal e o Psitacista

Pega uma pedra e em tua palma a deita.

Observa-a e toca-lhe a áspera planura.

Sente na pele o gozo da ranhura

Na superfície estática e imperfeita.


A pedra, em sua impassibilidade,

Mostra-te, com esplêndida frieza,

Que a vida, como em toda a Natureza,

Nem sempre está na tez da realidade.


Em tua mente rasa, o ódio medra;

Aluis em tua palma a tenra pedra

Porque ela contradiz tudo que pensas.


E a pedra, se esvaindo entre teus dedos,

Levou consigo todos os segredos

E a pequenez das almas mais imensas!



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

O Jardineiro

Prepara o campo

Ceifa todas as flores das quais não gosta


Planta uma semente


Regada a sangue e lágrima

Sob a luz fotossintética de sóis missivos

Brota intransitiva e vermelha

A flor do Holocausto



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

Efeito Borboleta

Beco das sombras. Bêbado bafejo.

Abafado, ouço,

No calabouço,

Um beijo asfixiado de desejo!


Calor resfolegado de dois corpos.

Mormaço e gula.

Carícia nula

Que imita o coito fétido dos porcos!


A pele tatuada pelas unhas!

Implora a alguém.

Mas há, porém,

Só a noite e eu: silentes testemunhas.


Profere e fere frases sufocadas!

No leito crasso,

O corpo lasso

Abarca o abraço e brutas estocadas!


Esgana o gozo! Lágrimas goteiam!

Há manchas roxas,

Sangue nas coxas.

Sêmens | intrometidos | que semeiam.


Talvez, um dia, o ódio se concentre

Apenas no ato.

Que o mal, de fato,

Se transforme em amor dentro do ventre!



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.