Total de visualizações de página
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
A Sociedade
Entremeios
Taco a taco,
Faz o meu oponente
Um gesto feio!
Eu, que não o julgava
Muito fraco,
Olho e digo pra ele:
“Faltou freio?”
Muitas coisas da vida,
Eu não saco.
E compreendo que estou
Só a passeio.
Mas dizer que nos outros
Há um vácuo,
Esse tipo de gesto
Eu odeio!
Para fim de conversa
Eu destaco
Aos que dizem no meio
Ter recheio:
Sempre há
Quem do meio
Tire um naco.
E aos que pensam que estou
De saco cheio,
Digo, então, que vazio
Está meu saco
De gozar
Toda a vida
Nesse meio.
Autor: Tiago Oliveira de Sousa.
segunda-feira, 3 de maio de 2010
A Fábrica
Olhares se acinzentam quando fitam o céu.
O vento bafeja os rostos e adorna a cidade.
Uma criança - indiferente -
Brinca sobre as cinzas paternas.
Adiante, há uma fábrica.
Suas chaminés não param.
O diretor não disciplina o coração de seu filho,
Que se entremeia aos subordinados.
Na antecâmara, ante a câmara,
O diretor sente seu sangue ferver
E suas carnes queimarem.
Claudicante, sai da clausura;
Lá fora, abre os braços,
Inala e sente seu filho pela última vez.
Chora, e as lágrimas borram as cinzas
Que o vento adorna em seu rosto.
Autor: Tiago Oliveira de Sousa.
A Sombra
Ontem, atravessei a rua
E a minha sombra ficou do outro lado.
(Des)assombrado olhei para ela
E ela zombava de mim.
Estava morrendo de rir.
Dava gargalhadas em escárnio
À minha condição humana.
Ria por eu ser humano,
E feliz se sentia por ser apenas uma sombra.
Senti a felicidade sua de ser sombra,
E não ter que me acompanhar.
Virou-se e andou dois passos.
Eu a segui.
Olhou-me de soslaio e tornou a andar rapidamente.
Apressei o passo.
A sombra caiu...
Gargalheando arcadas chaplinianas.
Depois se levantou e disse-me:
Agora és tu a minha sombra!
Autor: Tiago Oliveira de Sousa.
Ruínas
À memória de Augusto dos Anjos.
Eu já nem sei o que há dentro de mim,
Talvez seja uma dor interminável,
Corroendo como um verme miserável,
Um corpo putrescivelmente ruim!
Eu queria arrancar pela garganta
Esse desejo tétrico de amor;
Esfacelar, com mãos de sacripanta,
Essa fábrica fúnebre de dor!
Só quando andamos dentre as nossas ruínas,
É que enxergamos, nas carnificinas,
A vida produzindo cicatrizes!
E, nos perdendo num palor de assomos,
Quando pensamos que felizes somos,
É quando nós mais somos infelizes!
Autor: Tiago Oliveira de Sousa.
sábado, 1 de maio de 2010
Fragrância
O meu amor me lembra as rosas.
Por isso gosto de andar em meio às rosas,
De sentir seu perfume se alastrar pelo meu corpo
Até narcotizar o olfato.
Gosto de tocá-las até perder o tato.
Até eternizar o ato!
O meu amor tinha nos olhos o por do sol.
Tinha na pele a cor do mar
Quando emula a tez do céu na aurora.
Nos lábios, a exata pronúncia do encanto.
Ontem, eu sonhei que meu amor
Se esvaía no vento como o perfume das rosas.
Ao acordar, fui ao jardim,
E meus olhos choveram durante toda a madrugada.
(Abriu-se um regato em minha face!)
De manhã, as rosas róscidas
Exalaram o perfume salino da saudade!
Autor: Tiago Oliveira de Sousa.
Sensação Íntima
Pra onde fugirei com minha dor,
Se o Mundo é uma prostituta torta
Que todo dia bate à minha porta,
A seduzir-me sem nenhum pudor?!
Pra onde irei com a consciência morta,
Se, pra qualquer lugar ao qual eu for,
Minha alma estará cheia de tumor;
De leuquêmico sordes, minha aorta?!
Sei que pra onde eu for, nefasto Mundo,
Por mais que eu vá ao íntimo profundo,
A minha alma jamais terá conforto!
É que, pra onde eu for com meus escombros,
Terei, ainda, no terror de assombros,
A sensação horrenda de estar morto!
Autor: Tiago Oliveira de Sousa.
Ignorância
Não há verdade na verdade que cultivas.
Encheram tua mente de mentira.
Ora! Se teu prato está vazio,
É porque alguém comeu o alimento
Que deveria estar ocupando o vazio do teu prato.
Alimento com qual preencherias
O vazio que te preenche.
Agora tua mente está vazia de mentira,
Mas teu estômago ainda está cheio de verdade.
Autor: Tiago Oliveira de Sousa.
Sanatório
Estou na corda bamba e falta-me equilíbrio.
Há um padre rezando um samba,
Uma mulher dança o ludíbrio.
Ouço o vento regendo
O ranger de uma cadeira de balanço,
Tão velha quanto o ranço
Desses dias tão modernos.
Através da janela do meu quarto,
Vejo a pele enrugada dos sentimentos humanos
E os sonhos desesperados perambulando pelo jardim.
Por um instante, pensei ter ouvido um pássaro
Solfejando um poema de Bandeira
E, logo após, tossir alguns dias de sua vida bico afora.
Está chovendo agora,
E a chuva desce forte pelos córregos,
Alvitrando-nos que aqui nada se esquece,
Tudo vai embora.
Distancio-me da janela
E a sua superfície externa
Parece chorar a minha dor enclausurada.
Deito-me, mas não consigo dormir.
Quisera poder compartilhar
Do silêncio dos que dormem.
Autor: Tiago Oliveira de Sousa.
A Pedra Filosofal e o Psitacista
Pega uma pedra e em tua palma a deita.
Observa-a e toca-lhe a áspera planura.
Sente na pele o gozo da ranhura
Na superfície estática e imperfeita.
A pedra, em sua impassibilidade,
Mostra-te, com esplêndida frieza,
Que a vida, como em toda a Natureza,
Nem sempre está na tez da realidade.
Em tua mente rasa, o ódio medra;
Aluis em tua palma a tenra pedra
Porque ela contradiz tudo que pensas.
E a pedra, se esvaindo entre teus dedos,
Levou consigo todos os segredos
E a pequenez das almas mais imensas!
Autor: Tiago Oliveira de Sousa.
O Jardineiro
Prepara o campo
Ceifa todas as flores das quais não gosta
Planta uma semente
Regada a sangue e lágrima
Sob a luz fotossintética de sóis missivos
Brota intransitiva e vermelha
A flor do Holocausto
Autor: Tiago Oliveira de Sousa.
Efeito Borboleta
Beco das sombras. Bêbado bafejo.
Abafado, ouço,
No calabouço,
Um beijo asfixiado de desejo!
Calor resfolegado de dois corpos.
Mormaço e gula.
Carícia nula
Que imita o coito fétido dos porcos!
A pele tatuada pelas unhas!
Implora a alguém.
Mas há, porém,
Só a noite e eu: silentes testemunhas.
Profere e fere frases sufocadas!
No leito crasso,
O corpo lasso
Abarca o abraço e brutas estocadas!
Esgana o gozo! Lágrimas goteiam!
Há manchas roxas,
Sangue nas coxas.
Sêmens | intrometidos | que semeiam.
Talvez, um dia, o ódio se concentre
Apenas no ato.
Que o mal, de fato,
Se transforme em amor dentro do ventre!
Autor: Tiago Oliveira de Sousa.