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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A Sociedade

Nas casas, nas calçadas, nos tablados,
Nos albergues e nos contubernáculos,
Meus olhos são dois grandes receptáculos
Desvelando os invólucros velados.

Vou ao cerne das almas mais polutas,
E sei que há muito mais amor nas putas
Que há nesses tantos padres infiéis,

Que usando a imagem sacra das batinas,
Aliciam meninos e meninas,
Transformando as igrejas em bordéis!

Passo os dias como um simples clochard¹
Que vaga pelas ruas da cidade,
Observando a miserabilidade,
Tão fácil de encontrar de lar em lar.

Tais dias são tão tristes e perversos
Que, para amenizá-los, faço versos
- No sofrimento apenas eu abrolho-os. -

É na dor que meu verso encontra abrigo.
Só entende a verdade do que digo,
Quem sente a frialdade dos meus olhos!

A roupagem maldita da miséria
Quer, nefasta, vestir o mundo inteiro,
Pois a fome estampou o seu letreiro
Da forma mais horrípila e funérea!

Na falange das gentes desnutridas,
A fome já ceifou milhões de vidas,
Fez estragos talvez irreversíveis.

Onde as crianças puras e inocentes
Já trazem o atavismo dos doentes
Do ventre que gerou coisas horríveis!

Ninguém pode entender que em tudo sinto
O infortúnio cruel da dor oculta.
Incorro como um médico que ausculta
O mal da estertorância² de um faminto.

Nas minhas incursões, às vezes, vejo
Um gesto de bondade de sobejo
- Perdura a crueldade dos medonhos! -

Como uma procissão de ascosas lesmas,
Procumbem com seus rastros de avantesmas
Os homens que inumaram os meus sonhos!

Apodrecendo em sua própria essência,
Tão humanamente autodestrutiva,
Está a alma aprisionada à carne viva,
Escrava do prazer e da insciência.

Saber disto, contudo, traz-me horrores.
Visiono a pandemia atroz das dores,
Tento obstar, debalde, que o homem cause-as.

Como Cristo cumprindo o seu calvário,
Vou seguindo no meu itinerário,
Com a boca a vomitar, cheio de náuseas!

Perante um sorumbático me calo.
Por trás de sua taciturnidade,
Há um desespero abscôndito que invade
Meus olhos, exorando pra salvá-lo!

Até mesmo ínscias fomes e árduas sedes
Hão de encravar as unhas nas paredes
Pra não apodrecer na cela fria,

Esse ergástulo nóxio de almas há de
Dissimular a face da verdade
E quebrar os grilhões da hipocrisia!

As fachadas aluídas das moradas
Obnubilam a vida hodierna cuja
Natureza especiosa sobrepuja
O cinismo das faces mascaradas.

Como alguém que está diante de um hospício,
Pressente, espavorido, o seu exício,
Meu instinto estrebucha feito um porco!

Sempre que esse lugar me aterra a vista,
Sinto o triste vazio de um niilista
E uma bruta anoxia no meu corpo!

Os párvulos nos pântanos pululam.
Insurgem de onde foram vegetados.
E hão de continuar, descerebrados,
No charco sepulcral no qual copulam!

Com chagas congênitas e pretas,
Irão perambular pelas sarjetas,
Os filhos bestiais de negros ritos!

Sem terem um limiar, sei que destarte
Iremos escutar, em qualquer parte,
Seus choros, seus suplícios e seus gritos!

Vislumbro, refletidos em vil lama,
Três corpos catatônicos e insóbrios.
A atmosfera nigérrima que encobre-os
Insufla a turbidez que se derrama

Sobre essa realidade atual que abarca
Toda essa reunião heresiarca
De prosélitos néscios e delusos.

Sempre que passo a mão na lama turva,
Enxergo uma verdade que se encurva
À didática acerba dos abusos!

Novas ideologias e doutrinas
Pra guiar indivíduos mentecaptos.
Não encontro no mundo outros mais aptos
Pra cultuar as culturas cloacinas.

Meu olhar, a tatear cenas coevas,
Alvitra que eu não busque, em meio às trevas,
Seres de corpos sãos e mentes nédias.

Pra aumentar inda mais o meu estorvo,
Ouço os crocitos fúnebres de um corvo,
Pressagiando a chegada das tragédias!

A catástrofe bate às nossas portas.
O ar que entra traz odores torpes, sórdidos!
Da veneziana vejo olhares mórbidos,
E sorvo imagens dessas íris mortas!

Vejo zumbis incôncios sobre um palco,
Construindo um funesto catafalco,
Solfejando o cantar dos mortos-vivos!

Com cento e vinte cordas nos pescoços,
Sarapateiam sobre os próprios ossos,
No êxtase dos suicídios coletivos!

Hoje os mortos caminham nas estradas
No degredo dos cérebros absortos.
O raciocínio absurdo desses mortos
Obtunde-me as retinas maltratadas:

Andam juntos, contudo não se amam!
E tocam-se, porém nunca se inflamam
À proposta gritante de unidade.

E a minha ideia de igualitarismo
Esfacela-se no individualismo
Que eu observo naquela sociedade.

Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

Notas do autor:

¹Clochard (clôchár) [Fr.]: Mendigo;
² Estertorância: neologismo originado da palavra estertor;
³que encobre-os: Licença poética: Colocação Pronominal — a conjunção subordinativa “que” atrai o pronome oblíquo átono “os”, exigindo a próclise. O pronome deveria vir antes do verbo; o que não aconteceu devido à licença poética.

Entremeios

Bem no meio da briga
Taco a taco,
Faz o meu oponente
Um gesto feio!

Eu, que não o julgava
Muito fraco,
Olho e digo pra ele:
 “Faltou freio?”

Muitas coisas da vida,
Eu não saco.
E compreendo que estou
Só a passeio.

Mas dizer que nos outros
Há um vácuo,
Esse tipo de gesto
Eu odeio!

Para fim de conversa
Eu destaco
Aos que dizem no meio
Ter recheio:

Sempre há
Quem do meio
Tire um naco.

E aos que pensam que estou
De saco cheio,
Digo, então, que vazio
Está meu saco

De gozar
Toda a vida
Nesse meio.


Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A Fábrica

Olhares se acinzentam quando fitam o céu.

O vento bafeja os rostos e adorna a cidade.

Uma criança - indiferente -

Brinca sobre as cinzas paternas.


Adiante, há uma fábrica.

Suas chaminés não param.

O diretor não disciplina o coração de seu filho,

Que se entremeia aos subordinados.


Na antecâmara, ante a câmara,

O diretor sente seu sangue ferver

E suas carnes queimarem.


Claudicante, sai da clausura;

Lá fora, abre os braços,

Inala e sente seu filho pela última vez.


Chora, e as lágrimas borram as cinzas

Que o vento adorna em seu rosto.



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

A Sombra

Ontem, atravessei a rua
E a minha sombra ficou do outro lado.
(Des)assombrado olhei para ela
E ela zombava de mim.
Estava morrendo de rir.
Dava gargalhadas em escárnio
À minha condição humana.
Ria por eu ser humano,
E feliz se sentia por ser apenas uma sombra.

Senti a felicidade sua de ser sombra,
E não ter que me acompanhar.

Virou-se e andou dois passos.
Eu a segui.
Olhou-me de soslaio e tornou a andar rapidamente.
Apressei o passo.

A sombra caiu...
Gargalheando arcadas chaplinianas.

Depois se levantou e disse-me:
Agora és tu a minha sombra!



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

Ruínas

À memória de Augusto dos Anjos.


Eu já nem sei o que há dentro de mim,

Talvez seja uma dor interminável,

Corroendo como um verme miserável,

Um corpo putrescivelmente ruim!


Eu queria arrancar pela garganta

Esse desejo tétrico de amor;

Esfacelar, com mãos de sacripanta,

Essa fábrica fúnebre de dor!


Só quando andamos dentre as nossas ruínas,

É que enxergamos, nas carnificinas,

A vida produzindo cicatrizes!


E, nos perdendo num palor de assomos,

Quando pensamos que felizes somos,

É quando nós mais somos infelizes!



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

sábado, 1 de maio de 2010

Fragrância

O meu amor me lembra as rosas.

Por isso gosto de andar em meio às rosas,

De sentir seu perfume se alastrar pelo meu corpo

Até narcotizar o olfato.

Gosto de tocá-las até perder o tato.

Até eternizar o ato!


O meu amor tinha nos olhos o por do sol.

Tinha na pele a cor do mar

Quando emula a tez do céu na aurora.

Nos lábios, a exata pronúncia do encanto.


Ontem, eu sonhei que meu amor

Se esvaía no vento como o perfume das rosas.

Ao acordar, fui ao jardim,

E meus olhos choveram durante toda a madrugada.

(Abriu-se um regato em minha face!)

De manhã, as rosas róscidas

Exalaram o perfume salino da saudade!



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

Sensação Íntima

Pra onde fugirei com minha dor,

Se o Mundo é uma prostituta torta

Que todo dia bate à minha porta,

A seduzir-me sem nenhum pudor?!


Pra onde irei com a consciência morta,

Se, pra qualquer lugar ao qual eu for,

Minha alma estará cheia de tumor;

De leuquêmico sordes, minha aorta?!


Sei que pra onde eu for, nefasto Mundo,

Por mais que eu vá ao íntimo profundo,

A minha alma jamais terá conforto!


É que, pra onde eu for com meus escombros,

Terei, ainda, no terror de assombros,

A sensação horrenda de estar morto!



Autor: Tiago Oliveira de Sousa. 

Ignorância

Não há verdade na verdade que cultivas.

Encheram tua mente de mentira.


Ora! Se teu prato está vazio,

É porque alguém comeu o alimento

Que deveria estar ocupando o vazio do teu prato.

Alimento com qual preencherias

O vazio que te preenche.


Agora tua mente está vazia de mentira,

Mas teu estômago ainda está cheio de verdade.



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

Sanatório

Estou na corda bamba e falta-me equilíbrio.

Há um padre rezando um samba,

Uma mulher dança o ludíbrio.

Ouço o vento regendo

O ranger de uma cadeira de balanço,

Tão velha quanto o ranço

Desses dias tão modernos.

Através da janela do meu quarto,

Vejo a pele enrugada dos sentimentos humanos

E os sonhos desesperados perambulando pelo jardim.


Por um instante, pensei ter ouvido um pássaro

Solfejando um poema de Bandeira

E, logo após, tossir alguns dias de sua vida bico afora.


Está chovendo agora,

E a chuva desce forte pelos córregos,

Alvitrando-nos que aqui nada se esquece,

Tudo vai embora.


Distancio-me da janela

E a sua superfície externa

Parece chorar a minha dor enclausurada.


Deito-me, mas não consigo dormir.

Quisera poder compartilhar

Do silêncio dos que dormem.



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

A Pedra Filosofal e o Psitacista

Pega uma pedra e em tua palma a deita.

Observa-a e toca-lhe a áspera planura.

Sente na pele o gozo da ranhura

Na superfície estática e imperfeita.


A pedra, em sua impassibilidade,

Mostra-te, com esplêndida frieza,

Que a vida, como em toda a Natureza,

Nem sempre está na tez da realidade.


Em tua mente rasa, o ódio medra;

Aluis em tua palma a tenra pedra

Porque ela contradiz tudo que pensas.


E a pedra, se esvaindo entre teus dedos,

Levou consigo todos os segredos

E a pequenez das almas mais imensas!



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

O Jardineiro

Prepara o campo

Ceifa todas as flores das quais não gosta


Planta uma semente


Regada a sangue e lágrima

Sob a luz fotossintética de sóis missivos

Brota intransitiva e vermelha

A flor do Holocausto



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

Efeito Borboleta

Beco das sombras. Bêbado bafejo.

Abafado, ouço,

No calabouço,

Um beijo asfixiado de desejo!


Calor resfolegado de dois corpos.

Mormaço e gula.

Carícia nula

Que imita o coito fétido dos porcos!


A pele tatuada pelas unhas!

Implora a alguém.

Mas há, porém,

Só a noite e eu: silentes testemunhas.


Profere e fere frases sufocadas!

No leito crasso,

O corpo lasso

Abarca o abraço e brutas estocadas!


Esgana o gozo! Lágrimas goteiam!

Há manchas roxas,

Sangue nas coxas.

Sêmens | intrometidos | que semeiam.


Talvez, um dia, o ódio se concentre

Apenas no ato.

Que o mal, de fato,

Se transforme em amor dentro do ventre!



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.