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sexta-feira, 10 de junho de 2011

São José III

Junto à beira de atlântica floresta,
Florescem casas, devorando a mata.
Garrafa, fio, papelão e lata:
Este é o quadro da paisagem desta.


Tristes mansões além do Jaguaribe...
E as águas sujas que há nas suas margens
Refletem o bulício das imagens,
Onde a alegria humilde não se inibe.


Mais adiante, embaciados prédios,
Gozando o marulhar das ondas belas,
Mentem que no real suas janelas
São como grades coligindo tédios.


Eu prefiro a pobreza das favelas
Do que o luxo moderno dessas celas.


Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

São José II

Na rua principal e na do meio,
A paz insólita e infernal trafega.
Somente a insuspeição de uma bodega
Abriga a discordância de um rateio.

Mas na rua do rio, um monstro, às cegas,
Só pra satisfazer seus devaneios,
Engana pra chupar pequenos seios,
Ilude pra esfolar o pau nas pregas

Intactas de uma jovem viciada.
Pra garantir que lhe as vontades faça,
Parte uma torpe pedra em dois pedaços:

Um pedaço lhe entrega antes de nada,
Mas o outro só depois que, na trapaça,
Lhe arranca brutalmente os dois cabaços!

Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

São José

São José. Luz opaca. Rua estreita.
Um bafo bêbado mandando porre.
Enquanto o sangue quente ainda escorre
De um jovem que aderiu à nova seita.

Maria dos Prazeres só se deita
Pra saciar o vício que a dessorre.
A pobre por dez paus do pau não corre.
Na lata põe a pedra e se deleita.

A sensação de gozo é tão barata
Que o corpo se despenca sobre a lata,
E só quem está perto sente o baque.

Ao acordar, enxerga-se aos pedaços!
Levanta a tropeçar nos próprios passos
Para trocar o corpo por mais crack.

Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A Sociedade

Nas casas, nas calçadas, nos tablados,
Nos albergues e nos contubernáculos,
Meus olhos são dois grandes receptáculos
Desvelando os invólucros velados.

Vou ao cerne das almas mais polutas,
E sei que há muito mais amor nas putas
Que há nesses tantos padres infiéis,

Que usando a imagem sacra das batinas,
Aliciam meninos e meninas,
Transformando as igrejas em bordéis!

Passo os dias como um simples clochard¹
Que vaga pelas ruas da cidade,
Observando a miserabilidade,
Tão fácil de encontrar de lar em lar.

Tais dias são tão tristes e perversos
Que, para amenizá-los, faço versos
- No sofrimento apenas eu abrolho-os. -

É na dor que meu verso encontra abrigo.
Só entende a verdade do que digo,
Quem sente a frialdade dos meus olhos!

A roupagem maldita da miséria
Quer, nefasta, vestir o mundo inteiro,
Pois a fome estampou o seu letreiro
Da forma mais horrípila e funérea!

Na falange das gentes desnutridas,
A fome já ceifou milhões de vidas,
Fez estragos talvez irreversíveis.

Onde as crianças puras e inocentes
Já trazem o atavismo dos doentes
Do ventre que gerou coisas horríveis!

Ninguém pode entender que em tudo sinto
O infortúnio cruel da dor oculta.
Incorro como um médico que ausculta
O mal da estertorância² de um faminto.

Nas minhas incursões, às vezes, vejo
Um gesto de bondade de sobejo
- Perdura a crueldade dos medonhos! -

Como uma procissão de ascosas lesmas,
Procumbem com seus rastros de avantesmas
Os homens que inumaram os meus sonhos!

Apodrecendo em sua própria essência,
Tão humanamente autodestrutiva,
Está a alma aprisionada à carne viva,
Escrava do prazer e da insciência.

Saber disto, contudo, traz-me horrores.
Visiono a pandemia atroz das dores,
Tento obstar, debalde, que o homem cause-as.

Como Cristo cumprindo o seu calvário,
Vou seguindo no meu itinerário,
Com a boca a vomitar, cheio de náuseas!

Perante um sorumbático me calo.
Por trás de sua taciturnidade,
Há um desespero abscôndito que invade
Meus olhos, exorando pra salvá-lo!

Até mesmo ínscias fomes e árduas sedes
Hão de encravar as unhas nas paredes
Pra não apodrecer na cela fria,

Esse ergástulo nóxio de almas há de
Dissimular a face da verdade
E quebrar os grilhões da hipocrisia!

As fachadas aluídas das moradas
Obnubilam a vida hodierna cuja
Natureza especiosa sobrepuja
O cinismo das faces mascaradas.

Como alguém que está diante de um hospício,
Pressente, espavorido, o seu exício,
Meu instinto estrebucha feito um porco!

Sempre que esse lugar me aterra a vista,
Sinto o triste vazio de um niilista
E uma bruta anoxia no meu corpo!

Os párvulos nos pântanos pululam.
Insurgem de onde foram vegetados.
E hão de continuar, descerebrados,
No charco sepulcral no qual copulam!

Com chagas congênitas e pretas,
Irão perambular pelas sarjetas,
Os filhos bestiais de negros ritos!

Sem terem um limiar, sei que destarte
Iremos escutar, em qualquer parte,
Seus choros, seus suplícios e seus gritos!

Vislumbro, refletidos em vil lama,
Três corpos catatônicos e insóbrios.
A atmosfera nigérrima que encobre-os
Insufla a turbidez que se derrama

Sobre essa realidade atual que abarca
Toda essa reunião heresiarca
De prosélitos néscios e delusos.

Sempre que passo a mão na lama turva,
Enxergo uma verdade que se encurva
À didática acerba dos abusos!

Novas ideologias e doutrinas
Pra guiar indivíduos mentecaptos.
Não encontro no mundo outros mais aptos
Pra cultuar as culturas cloacinas.

Meu olhar, a tatear cenas coevas,
Alvitra que eu não busque, em meio às trevas,
Seres de corpos sãos e mentes nédias.

Pra aumentar inda mais o meu estorvo,
Ouço os crocitos fúnebres de um corvo,
Pressagiando a chegada das tragédias!

A catástrofe bate às nossas portas.
O ar que entra traz odores torpes, sórdidos!
Da veneziana vejo olhares mórbidos,
E sorvo imagens dessas íris mortas!

Vejo zumbis incôncios sobre um palco,
Construindo um funesto catafalco,
Solfejando o cantar dos mortos-vivos!

Com cento e vinte cordas nos pescoços,
Sarapateiam sobre os próprios ossos,
No êxtase dos suicídios coletivos!

Hoje os mortos caminham nas estradas
No degredo dos cérebros absortos.
O raciocínio absurdo desses mortos
Obtunde-me as retinas maltratadas:

Andam juntos, contudo não se amam!
E tocam-se, porém nunca se inflamam
À proposta gritante de unidade.

E a minha ideia de igualitarismo
Esfacela-se no individualismo
Que eu observo naquela sociedade.

Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

Notas do autor:

¹Clochard (clôchár) [Fr.]: Mendigo;
² Estertorância: neologismo originado da palavra estertor;
³que encobre-os: Licença poética: Colocação Pronominal — a conjunção subordinativa “que” atrai o pronome oblíquo átono “os”, exigindo a próclise. O pronome deveria vir antes do verbo; o que não aconteceu devido à licença poética.

Entremeios

Bem no meio da briga
Taco a taco,
Faz o meu oponente
Um gesto feio!

Eu, que não o julgava
Muito fraco,
Olho e digo pra ele:
 “Faltou freio?”

Muitas coisas da vida,
Eu não saco.
E compreendo que estou
Só a passeio.

Mas dizer que nos outros
Há um vácuo,
Esse tipo de gesto
Eu odeio!

Para fim de conversa
Eu destaco
Aos que dizem no meio
Ter recheio:

Sempre há
Quem do meio
Tire um naco.

E aos que pensam que estou
De saco cheio,
Digo, então, que vazio
Está meu saco

De gozar
Toda a vida
Nesse meio.


Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A Fábrica

Olhares se acinzentam quando fitam o céu.

O vento bafeja os rostos e adorna a cidade.

Uma criança - indiferente -

Brinca sobre as cinzas paternas.


Adiante, há uma fábrica.

Suas chaminés não param.

O diretor não disciplina o coração de seu filho,

Que se entremeia aos subordinados.


Na antecâmara, ante a câmara,

O diretor sente seu sangue ferver

E suas carnes queimarem.


Claudicante, sai da clausura;

Lá fora, abre os braços,

Inala e sente seu filho pela última vez.


Chora, e as lágrimas borram as cinzas

Que o vento adorna em seu rosto.



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.

A Sombra

Ontem, atravessei a rua
E a minha sombra ficou do outro lado.
(Des)assombrado olhei para ela
E ela zombava de mim.
Estava morrendo de rir.
Dava gargalhadas em escárnio
À minha condição humana.
Ria por eu ser humano,
E feliz se sentia por ser apenas uma sombra.

Senti a felicidade sua de ser sombra,
E não ter que me acompanhar.

Virou-se e andou dois passos.
Eu a segui.
Olhou-me de soslaio e tornou a andar rapidamente.
Apressei o passo.

A sombra caiu...
Gargalheando arcadas chaplinianas.

Depois se levantou e disse-me:
Agora és tu a minha sombra!



Autor: Tiago Oliveira de Sousa.